segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Preso a esse barco

Não quero que partas,
mas deixas-me partir...
Tinha tanto para te dar,
tão pouco para te pedir.
Mas não largas as cordas que te prendem,
as amarras que te agarram,
as correntes que te sufocam.
E eu dei-te a navalha dessas cordas,
as mãos para essas amarras,
a chave dessas correntes.
Continuas preso a esse barco,
ao tempo que não existe.
E eu não posso persistir,
pois a mim não me competem
as perícias do tempo.
Sopra o vento,
ondula o mar,
desprendo-me de ti.
Zelo para que te desprendas desse olhar.

sábado, 21 de novembro de 2015

Aleatoriedade

Eu gosto muito de árvores, mas também gosto de florzinhas. Portanto, se forem árvores com florzinhas, acho que tenho atingido o auge de felicidade do meu dia. 
No outro dia, derivado de um aleatório momento de lazer (que, diga-se de passagem, claramente não são muitos... longe de mim dar-me a hereges andanças dessa envergadura), sentei-me à sombra da ameixeira (porque essa coisa das bananas é demasiado tropical para aqui) e contemplei um pequeno rebento de um pequeno ranco de uma pequena árvore (e eu que sou tão grande). Não é que o safado teve a ousadia de se fecundar a esta altura do ano? O frio já anda por aí a dar aso aos seus encantos e um rebento lembra-se de se fazer surgir. Olha-me esta. Por isso é que este mundo está como está: andam uns a fazer as coisas às pressas para não apanhar resfriados e, outros, armados em valentes, decidem dar o ar de sua graça. Eu não sei, mas cheira-me que vai sofrer não só de pneumonia mas também de enredos de solidão. Contudo, alicia-nos à sua observação. É o único ali, sem medos nem remorsos. Olha, gostava de ser assim. Mesmo sozinha sentir-me a pessoa mais bem acompanhada do mundo, sem sofrer frios, incertezas ou crises de meia idade. 


Sta Mª da Feira


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Outono

De todas as manhãs que percorri, hoje foi a que mais me custou. A chuva teimava em cair inóspita, o vento insolitamente gritava e os meus passos eram um completo ziguezague, no meio de toda esta euforia. O guarda-chuva dançava na minha mão e as minhas botas, por mais que tentassem escapar, iam sempre ao encontro das largas poças. A aurora, com a sua roupagem de agitação habitual, parecia um mero eco das minhas passadas, um deserto. 
No meu pensamento desenhavam-se todos estes pormenores e uma vontade imensa de poder parar o tempo e consultar cada rosto, cada gesto, cada pessoa que por mim passava e que eu praticamente não notava. Porém, aquando da pausa das minhas pegadas, notei, com mais atenção, algo - e, com mais atenção, pretendo dizer que já as havia notado, contudo, só vendo e não observando -, as folhas. Um carreiro desconcertado de folhas encontrava-se no meu caminho, qual tapete de texturas, cores e sonidos. Provavelmente já por muitos passara nessa mesma manhã ou até noutras, mas, hoje as folhas eram diferentes, quer dizer, para mim, para o meu olhar, porque, hoje, as folhas levavam-me a olhar também para as árvores. E elas pareciam tão tristes. Tristes, humildes, engrunhidas. O Outono despia-lhes as folhas a pouco e pouco, e o vento suscitava-lhes calafrios constantes. As folhas lá balançavam delas em direcção ao chão, mostrando-se felizes, mas já saudosas, por se desembaraçarem delas... Tanto demoraram a nascer, tantas temperaturas passaram juntas e, agora, o frio vem estilhaçar todo este apego e este amor. A árvore sabe o que aí vem, um Inverno que nada mais lhe traz senão camadas de neve branca, chuva que se cristaliza ou raios de sol tímidos, e as folhas, fora aquelas que nunca mais saíram do chão, foram viajar por esse mundo fora, à boleia do vento.
Tanto as observei que perdi a noção do tempo. As árvores estremecem e as folhas caem ao de leve no caminho ou flutuam no ar... Se calhar as folhas são lágrimas das árvores.


Mafra

sábado, 10 de outubro de 2015

Da sombra

Escondo-me na sombra,
pois ela não se pinta de esperanças.
Que mais é ela do que cinzenta,
do que fria e discreta?
Por isso me escondo nela.

E vou esperando,
qual pássaro que aguarda as gotas de orvalho,
das folhas, pela manhã.

Não sei se me atrevo,
menos sei se devo.
Duvidar se posso gostar,
se posso sair da sombra e saborear.
Se atravesso este refúgio.

E vou espreitando,
singela e cuidadosa.
De olhar sereno, mas curiosa.

Não sei se me atrevo,
menos sei se devo.
Só sei que quero.

domingo, 20 de setembro de 2015

Torrente

Sever do Vouga
Não te escondas e abraça-me.
Abraça-me por me quereres,
abraça-me por sentires frio,
abraça-me por sentires medo desse calafrio
que sentes ao não me abraçar.
E olha-me os olhos.
Olha-me e lê a minha alma, 
sente os meus sentidos,
ouve o meu silêncio.

Porque quando estou contigo,
pulsa mais rápido o meu sangue
que um suspiro pelas torrentes das águas.

sábado, 12 de setembro de 2015

Reler

Muitas histórias que traças,
traças apoderam-se do teu papel
e devoram até muitos dos pensamentos
que achavas irrevogáveis. 

E há medida que vais escrevendo,
e depois lendo,
percebes que mal nenhum teria
se retocasses algumas arestas.

Mas o que interessa alterar o passado,
passado que é presente,
presente que se tornou no agora?

Para tudo há uma hora.
Envolva felicidade ou tristeza.
Há muito que não fica e há muito que se lembra;
e, nessas palavras,
encontro escarrapachado e escondido,
o que fui, o que sou e o que virei a ser.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Remendo

Deixou nada mais que silêncio.
Também deixou uma nódoa
que se esconde no Tempo.

Ficou um sabor azedo ao relento
e uma fadiga delinquente 
que por flagelo reaparece.

Um resto dessa tinta por usar
de um frasco remendado sem concisão
que se esquece numa gaveta escangalhada.

Espelhou reflexos neutros e amarguras
sem se acusarem na exacta altura
que se tornaram tão claras e cruas.

Nó na garganta

nó no estômago


que silêncio ruidoso.

domingo, 19 de julho de 2015

Algazarra

Calou-se a algazarra.
E de toda essa partitura que compus
apenas restaram pautas soltas.
Desapareceu a fanfarra
e a multidão dispersou-se.
O silêncio enfurecia a consciência,
mas o eco alcançava poucos metros
e o sentido das coisas acabava por perder sentido.
Não havia gente,
ainda nenhuma há...
E a algazarra que bailara na minha alma
reiniciou o frenesim.
Mas de ti não vejo sinal.
Eu, que tanto tinha para falar ao teu ouvido.




quinta-feira, 9 de julho de 2015

Uma palavra: saudade

A minha palavra favorita é "saudade",
mas dela reconheço bastantes disparidades,
incompatibilidades e bipolaridades.
Faz-me chorar de alegria,
arranca-me o desespero.
Deixa-me sem qualquer piso,
leva-me ao céu.
Um beijo de saudade é tão melhor, 
o romper da saudade é tão gratificante...
mas a saudade que não se rasga
é de tal maneira ofegante.
Porque há a saudade feliz e a triste.
A saudade que nos aquece e a que nos corrói.
A saudade que nos limpa as lágrimas
e a que dói.
Gosto tanto de dizer saudade,
tanto quanto a detesto sentir.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Penumbra de melancolia

Por quem me tomas, penumbra fria,
se nada de ti quero.
Tu que me sufocas,
tu que me assassinas
tudo o que em mim não é desespero.

Dissolvo-me na angústia,
sem qualquer socorro ou aviso;
encontro-me num escuro sem fundo,
mais profundo do que o abismo.

Porque em lágrimas mergulho
e em lágrimas adormeço,
e após sentir uma afiada espada
no meu peito estremeço.

Por quem me tomas, melancolia,
quando nada quero de ti,
senão desprender-me dessas algemas turvas
que nada em mim esclarecem.

Sou vítima de uma asma que tende em aparecer;
gritos entre surdos
e gestos entre cegos que não querem ver.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Calafrio

Nem uma brisa ao de leve se esquivava por entre as folhas das árvores, e o céu, manchado de azul, escondia poucos novelos de algodão. Os segundos, marcados pelo relógio, trituravam-me a cabeça à medida que tentava aclarar as ideias, e os pássaros, intervalando com os segundos, chilreavam, numa tentativa de me distrair do silêncio absoluto em que me queria encontrar. O sol aparentava um dia de calor, mas, a brisa que do lado de dentro da minha janela parecia ser inexistente, era, afinal, uma feroz rajada de vento que se entranhava na minha pele e (curiosamente?) no meu estômago. 
Como é diferente o que vemos em perspectivas divergentes, ou, como é diferente a visão dos outros e que nos é transmitida. Como nos cegam os sentimentos e como nos calam as brutalidades. Por vezes, bastava uma mão, uma palavra, um abraço, porém, quando abrimos a janela e a realidade é desenhada de outro modo, tudo rui, tudo se desmonta, o tecto desaparece, o coração transpira... a vista transpira. Não conheço mais do que o reflexo, já nem sei de que provém esta pele de galinha constante. 
O vento faz dançar as árvores e a mim faz-me estremecer. Já não há folhas no chão, novas renasceram nos ramos. Mas há uma folha que anda ainda algures por aí. Flutua e cai. E flutua... e flutua... 

sábado, 9 de maio de 2015

treze

Na longitude encontrei o meu cansaço
e na tua ausência
a razão do meu desassossego.
Sentir-me segura apenas no teu abraço,
faz-me cair, súbita,
sem o teu apego.

E das amarras que não me desenhaste
não me quero desprender,
nem sequer me despedir.
Nesse primeiro beijo que traçaste,
acabei por tropeçar
e por me despir.

Por isso custa lembrar o teu sabor,
pregar-me no silêncio
e não te ter por perto.
Por mais sabendo que não é amor,
é uma construção ascendente,
com felicidades, angústias e aperto.

Ansiar-te nem que por meros momentos,
como se toda uma vida
se contemplasse apenas num minuto.
Sentir que te tenho em todos os tempos,
mesmo que seja apenas um em muitos;
basta-me pouco quando não pode ser tudo.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Um pouco de nada de tudo

Nova sombra,
nova sequela
que ao fim do dia
faz jus de todo o seu teor.
Núcleo que se desmembra
e que se escurece,
qual nuvem que cobre o sol.
E a luz que desvanece 
e o vento que de frio se enriquece,
e a lágrima que se solta
e a fantasia que se revolta.

sábado, 18 de abril de 2015

Claustro

Nunca pedi para fazer parte da tua clausura,
mas é cada manhã mais dura
Clérigos - Porto
sempre que acordo sem a visão de ti.
Sentindo, ainda assim, que contigo dormi.

A cada raio de sol que rasga a manhã
esqueço quando terei sido sã,
se de mim nada sei
para além de que não errei.

Continuo com a visão dessa porta fechada
que me deixa claustrofóbica de nada,
quando em ti depositava tudo
e de ti vinha um desdém agudo.

Por mais claro que até seja o dia,
vejo a nuvem negra que adia
qualquer alívio que expirava
e que abruptamente se evaporava.

Os tantos dias lacrimejantes tento esquecer,
todavia, o medo acaba por aparecer.
E esse portão apenas não volta a fechar,
porque só entreaberto é que sou capaz de respirar.


quarta-feira, 25 de março de 2015

Estás a ouvir?

Contaste?
Contaste quantas pétalas tinha a flor,
quantos aromas fazem o mesmo odor,
quantas noites foram cheias de luas cheias?


Tocaste?
Tocaste aquela melodia que tanto matutavas,
aquela cassete que há tanto guardavas,
aquela camisa de cetim?


Sentiste?
Sentiste algo mais do que estar triste,
algo que nem sabias que existe,
algo que poderás nunca com mais alguém sentir?


Estás a ouvir?,

Com quantas notas a chuva canta?
Em quantas horas alguém se encanta?
E como quão barulhento é esquecer...?


segunda-feira, 23 de março de 2015

As pessoas são más

As pessoas são más, simplesmente porque sim. Não há motivo aparente. E, por não haver esse motivo, é que a maldade é ainda mais acentuada. Por mais que queira fugir a esse pensamento (ou, deveria dizer, realidade), mais claro ele se torna a cada dia que passa... sem a existência desse tal motivo aparente. Sempre acreditei na bondade, na genuinidade, na humildade, e, quando chegar o dia em que não poderei acreditar mais nisso, significa que o caos se instalou de vez, que a realidade é de tal forma abrupta que não permite fugir ao cepticismo, à desesperança, à mentira ou, até mesmo, à injustiça. Sei que estarei a ser egoísta (e, se não for também um pouco, não estarei a respeitar-me de forma total), mas, quando chegar esse dia (se chegar. - zelo para que não), espero já não cá estar; pelo menos não fisicamente. Digo isto longe de eremitismos e flagelação, é claro, considerando se não seria pior a dor provocada ao espírito e à consciência, mesmo já não tendo estas corpo onde se abrigar. 
Toda esta fantasmagoria para falar de pessoas más. E esta adjectivação eufemiza tanto a situação... Há quem diga que a maldade se combate com maldade (estilo fight fire with fire), todavia, penso que, mais uma vez, a chave para este tipo de problemas é a originalidade, fazer a diferença. Se uma pessoa que passa por nós na rua ignora tudo o que a rodeia, por que não quebrar essa negritude e pintar um pouco o dia dessa pessoa com um sorriso? Pode até nem haver qualquer receptividade, porém, certamente, não causará indiferença. E o mesmo se passa com quem nos magoa. Nem sempre quem vocifera mais alto do que um grito é quem vence, mas sim aquele que por meios lícitos alcança a verdade e percorre um caminho com firmeza e coerência.

Podem-me ter ferido o coração. Mas nunca os meus princípios.

sábado, 21 de março de 2015

Inquieta tranquilidade

Dei-te a mão
porque senti que com ela
nunca mais estremeceria o chão.
Fui firme nesse amasso
porque senti que não havia lugar mais quente
senão dentro do teu abraço.
Esbocei um sorriso
porque senti num traço de felicidade
todo o meu asilo.
Acreditei
porque senti uma chama de água limpa
e num leve palpitar me levei.

Encontro-me novamente debaixo da terra.
No escuro.
Na solidão.
De mãos atadas com uma verdade asfixiada,
imóvel, sem álibi.
Mas ela é a verdade 
e ela está ali.
Inquieta na sua tranquilidade;
estável, pois vencerá.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Não sei pintar

A quem é que pertenço,
à terra ou ao pensamento?
Por quem é que escrevo,
ao amor ou ao medo?
Para onde caminho,
rectidão ou abismo?

Na escuridão a minha luz,
no barulho o meu silêncio.
Na multidão a solidão,
na impaciência o tempo.

E na fraqueza por um minuto me vejo,
agregada toda uma destreza ao meu ser.
Tenho na paleta as cores do céu
mas não sei pintar,
só escrever.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Turbilhão

Entre as arestas que ergueram esta casa, descobri, em mim, um ímpeto interesse em me descobrir. De perceber quantos pincéis, afinal, e quantas cores fizeram parte da paleta e deste retrato, que se desmancha estilo folha solta de um caderno, à deriva na rua numa noite chuvosa de Inverno. De saber mais do que vou sabendo, continuando sem realmente saber. De, verdadeiramente, ir crescendo sem entender. E foi, também, entre estes rabiscos que fizeram de mim, que percebi que sou, nada mais nada menos, do que uma peça anacrónica. Obra singela destacada com discrição. Sem noção.
Um contrato assinado rasgado é insignificante, é um desgosto descabido à luz do dia, é um recluso despido em plena audiência. São novamente postas na mesa as cartas do baralho: descrença, desconfiança, desprezo, decadência, e tudo é posto em causa. Como se tudo não se tivesse passado de um mero jogo de apostas em que eu era bluff, acabando por perder tudo o que ganhara. E sou obrigada a desmembrar-me da minha humildade e a encarar-me como a culpada, já que não há mais alvo nenhum em que acertar.

E vou todos os dias acordando, com a esperança de que a realidade vire ficção. Ou vice-versa.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

És tu, neve?

Cai a neve delicadamente
provocando sorrisos na solidão,
pintando de branco os caminhos,
ilustrando a minha imaginação.

O frio preenche o dia
e esconde-se nos lençóis da minha cama,
corro para a janela ver
o que o Inverno a todos chama.

Véus de seda no jardim,
pequenos flocos flutuando no ar.
Neve branca gelada e tímida,
porque não me vieste antes buscar?

Deitada, abro lentamente os olhos cerrados
e fujo esperançosamente lá para fora.
Mas será que tudo o que anseio e gosto
decide sempre ir embora?

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

excusationem

É realmente muito doloroso quando não és capaz de distinguir o certo do errado e, mesmo assim, não conseguires alcançar o que é melhor para ti. E isso é ainda pior quando envolves outras pessoas à tua volta, pessoas que, em altura alguma, pensavas serem tão boas para ti e próximas de ti; capaz de encontrares nelas outra parte de ti, capaz de sentires amor por essa pessoa mas não o mesmo amor que ela sente por ti. Há gente que nós não queremos deixar para trás. Desde aqueles com quem passamos uma efémera noite, àqueles com quem, simplesmente, há uma troca de palavras, no entanto, que te faz querer estar assim mais vezes. Apenas isso. Uma espécie de irmão sem qualquer ligação sanguínea. Com quem partilhas uma ligação sem fios. E queres apenas assim porque, nesse momento, te parece melhor e porque, nesse momento, não consegues fazer com que a história dê uma reviravolta, de maneira a fazeres toda a gente feliz. Todavia, é difícil fazer feliz alguém, quando tu própria não consegues perceber muito bem de onde provém a tua "felicidade" (nunca será totalmente felicidade quando nela continuares a incluir a palavra tristeza e, de algum modo, a senti-la). Sorris noite e dia e estás bem, porém, durante as longas insónias diurnas e nocturnas, todo esse teu negrume interior, outrora encoberto, algema-te em ti própria e não te quer deixar respirar. Nunca tencionei querer perder alguém, nem magoar ninguém. Eu não posso pedir para ser quem não sou, mesmo apesar de não saber bem quem sou. Tanto faço com que me saúdam, como com que imediatamente se despeçam. Tanto contribuo para a felicidade de alguém, como, logo de seguida, sou o que motiva a sua tristeza. Sou assim tão paradoxal? Tão irritantemente feita de contrariedades? Tão sim que tão não? Não sou boa pessoa mas, a maioria das coisas que faço, são sem má intencionalidade. Esta minha querela interior nunca terminará... só tenho pena de ter incluído alheios, que estiveram próximos e voltam a estar longe, apesar de serem estes os melhores meios.

Tu nem sabes

Tu nem sabes, mas por pouco até te amei. Amei essa tua rebeldia involuntária. Amei esse teu sorriso fugitivo. Amei essas tuas mãos atrevidas. Amei esse teu olhar furtivo. Distribuí polícias de choque à paisana e amuralhei-me de espinhos. Mas, graciosamente, como sempre, foste capaz de escapar. Capaz de me alcançar. Capataz rapaz capaz: perito no ataque. Esfomeado de mulher. Ávido de prazer. Por que comigo foste ter? Com que descaramento foste capaz de pegar na minha mão e me afogares nos teus olhos? Nesses teus olhos verdes, tão cheios de nada e tão vazios de tudo. Nesse teu primeiro plano do quadro da tua vida, que tão curiosamente me fez ir. Nessa tua voz despida de enganos e promessas, só de aventuras e enredos. Que tanto me fazia libertar dos meus medos. Que tanto me despertava para te libertar também.Conseguia saber quem eras mesmo sem te conhecer. E apesar de todos os teus defeitos conseguir ver, mais me faziam de ti querer desfrutar. Desde o momento que te vi, por mais céptica que seja relativamente a filmes de amor à primeira vista, posso assegurar-me que, sem fósforos ou isqueiros, uma chama se acendera prepotente. E chama que arde não mente.Sabia que me ias largar. Sabia que era tudo bluff. Todo um jogo sujo, estudado e preparado. Mas uma mulher acredita sempre. Uma mulher acredita sempre que consegue ser a responsável atrás das câmaras. Acredita que consegue fazer a diferença e que consegue fazer com que seja diferente. Já são mais que evidentes as provas contra...

Tu nem sabes, mas por pouco até sonhei. Sonhei que o previsível fosse improvável. Sonhei que o provável fosse imprevisível. Sonhei que o inesperado fosse permanente. Devaneei. E amei. Se calhar amo. Posso não morrer de amor, mas morro de saudade... Ao som amargo e dissonante de um piano.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O melhor ainda está para vir

Que manhã fria estava. A janela desenhava todo um nevoeiro intenso, pincelado pelo calor saído da minha boca, gerando-se um forte choque térmico quando a minha mão tocara no gelado vidro da janela, causando um arrepio crescente que prosseguia pela minha pele. Apenas vira passar uma pessoa pela rua, passeando o seu cão; as restantes deveriam ainda estar a lamentar-se pelo inconveniente toque do despertador que os expulsava do paraíso dos sonhos.
Desta vez acordara bem antes do normal, considerando que normal, no primeiro dia de férias, seria acordar depois das dez horas matinais, sem qualquer compromisso com outrem. Bem, na verdade, o meu marcador somático alertava-me para o seu irrecusável, inadiável, indispensável encontro com uma grande e saborosa caneca de chocolate quente, acompanhada por um pão recheado de compota de frutos silvestres. Daí talvez ter acordado bem antes das oito horas de uma segunda-feira. E, já deliciando o meu chocolate, o meu cliché cerebral recomeçara... "como o tempo passa rápido". Ugh, como esta reunião de palavras me atordoa a cada momento zen do dia... deixando-me uma vontade de protestar com o Rui Veloso e o seu "passa o tempo devagar"... Não, meu caro, pelo menos não o meu. Não gostaria, por ventura, fazer uma troca ou uma espécie de time test drive? É que ultimamente (e talvez aconteça realmente só comigo, quem sabe) até mesmo a fazer o que considero mais aborrecido ou que menos gosto, o tempo faz questão de correr a maratona, e nu!, isto porque, estar a vestir um fato apropriado à modalidade, requer uma demora muito grande e, também, porque, tenho que admitir, ele é um rebelde. Não, não tem quaisquer descendências de mim, obviamente.
Tempo... O tempo é chato. É chato porque, apesar da sua flexibilidade, é monótono. E é rebelde. É rebelde porque nos provoca; quando precisamos que seja rápido torna-se vagaroso e quando precisamos que seja demorado é veloz como um tiro. E, mais uma vez, deixou-me desprovida no seu arranque, como se tivesse feito falsa partida, como um batoteiro ávido. E eu não soube ser capaz de sprintar e deixei-o ir, ao estilo cobarde e comodista que tanto desprezo e critico. 
Começo a recordar antigas apologias... quando era mais nova e sonhava ser o braço direito de todos, de fazer todos felizes, de ser inesquecível e lembrada para sempre, de ser, inocente e humildemente, alguém importante para todos. Porém, com o passar, mais uma vez, do tempo, percebi que me tornei demasiado egoísta para isso, ao envolver-me no manto escuro do egoísmo alheio; percebi que nem tudo era tão simples como aparentava ser e anui nessa embriaguez de simplicidade; percebi que era mais uma entre tantos outros e, entre bramidos mudos, tornei-me vulgar.
E o tempo chato não pára e gargalha quando olha para trás e me vê ali a fumegar na minha inquietude... Um dia apanhá-lo-ei desprevenido, a ele e à dona procrastinação, provar-lhes-ei a minha ambivalência e dilacerarei tudo isto que me prende à cadeira, pois nunca é tarde para mudar e se se começa a tornar tardio, uma miríade de forças resplandecerá em mim!