quarta-feira, 23 de abril de 2014

Neve

Nunca vi cair a neve
e nunca vi neve caída,
que bem que me falam dela,
essa que nunca surgiu na minha vida.

Diz-se branca, suave, leve...
na verdade, nunca me falaram muito da neve.
Imagino toda a cor que transmite a sua palidez
e esse branco, pureza, que senti uma vez.

O frio seu que gela ao tocar,
o frio meu sentido ao aproximar.

O brilho sóbrio na aurora,
o encanto que teve outrora
em desconhecido crepúsculo.

Branca neve que nunca senti,
contrais compulsivamente o meu músculo.


Sta Mª da Feira

Perdi-me e abriguei-me no sol sombreado

Perdi-me e abriguei-me no sol sombreado,
cada nuvem que o rodeia
desenha-lhe o fado.
Ofusca-se a luz que encandeia

todo o prado,
toda a cidade...
As casas perdem a cor que havia achado
e me leva a idade

e o tempo
que se esquiva fugaz,
por entre fios de cabelos ciumentos
que baloiçam p'rá frente e p'ra trás.

A sombra cobre-me e adormeço
sem encosto, sem conforto.
A saudade eu não esqueço
por me fazer viver em jardim morto. 


Sta Mª da Feira

Que mar é este

Que mar é este
que me desprende da sensatez?
Que brisa é esta 
que me solta?

As multidões que se dispersam 
e não vêem o mar bravo que se avizinha...

Será impressão minha?

Vejo o seu olhar omnipotente diante mim.
Ouço um breve sussurro que me convida...

Neste alto rochedo
penetra-se-me uma leveza;
o sol me queima, 
a onda me refresca,
um suspiro se solta,
o meu corpo se arremessa. 

Espinho


segunda-feira, 21 de abril de 2014

Procurei pelas ruas

Porto
Procurei pelas ruas
o que pensei já ter achado,
acabei perdida
e com um relógio estragado.

A minha bússola inquieta
de exaltada orientação,
contínua indecisão,
incumbida função de marioneta.

Respirei o ar da maresia salgada,
senti a areia nos pés,
a minha inspiração encharcada
de uma dita mesquinhez.

Ela agita viciadamente o ponteiro,
bússola inútil...
Tão requisitada pelo marinheiro
e a mim só demonstra ser fútil.

Continuo perdida pelas ruas,
avisto apenas mar.
Turbulências cada um tem as suas
mas às minhas nem sei que nome dar.

Oh you

Oh, how much
I miss your touch,
how I wish you were here.
Oh, how much I want
to take your hand 
and disappear.

Oh, how slowly
the time passes by
when you don't talk to me.
Oh, how cruel
is this way of being free.

Oh, how hurts my soul
the taste of my loneliness.
Oh, how I miss you so,
how deep is this emptiness. 



Abarca-me

Abarca-me no teu corpo,
nesse porto
para mim seguro.
Preenche-me em pleno,
liberta-me dos pensamentos,
ensina-me a viver a vida selvagem.
Sem espaço para racionalismos
vamos ser dois num só.
Não aceito mais cubismos,
explicações, desculpas são desnecessárias;
a maioria das minhas lamentações
são apenas temporárias.
Não aguento mais a demora,
cada minuto parece uma hora.
Apesar de já ter desistido,
a verdade é que ainda não me fui embora.
Abarca-me no teu corpo,
abarca-me em ti,
aqui.
Agora.


Véu

Despiu-se de mim o véu branco,
voara a seda e o encanto.
A carne fria e crua,
só, nua.
No meio da rua,
avistei o véu acima de mim,
ainda tentei alcançá-lo
mas, gelada, petrifiquei.
No tempo recuei
com toda a força do pensamento
e recuperei de novo o véu...
Porém, realmente de olhos abertos,
estava ele já no céu.
E espero que nunca venha ele,
a ser de alguém
réu. 


Não pensar pensando

Não quis pensar,
mas ao não querer pensar
acabei pensando.
Não quis estragar,
mas com tanto cuidado
acabei estragando.
Não quis cair
e de tanto olhar no chão,
esqueci o vento me abanando.
De tanto desejar a felicidade,
ela acabou me ultrapassando.
De tanto querer não gostar,
acabei amando.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

Não sei porque espero

Não sei porque espero,
se o tempo em mim se gasta.
Desdém que veste o desespero,
armadura que convém.

Não se desprende esta carraça
de mim,
moinho que gira
e me amassa.
Esta insónia que é ameaça
à rotina companheira,
que me consome
de toda e de nenhuma maneira.
Espero o teu nome
mil e três vezes sem conta,
sonolência que em normal trabalho
não se renova.
Que mesquinhez,
que jaula transparente se atravessa;
que ignorância cega 
que me violenta repetidamente; 
que insignificante insignificância
que surge repentinamente.
Quem é esse que se reflecte no espelho,
essa imagem é nada mais que aparente.


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Pequeno jasmim

Plantaste,
uma noite,
uma semente
no meu jardim.
E,
sem chuva,
uma flor desabrochou por fim.
Era pálida,
essa flor,
pequeno jasmim.
Alimentava-se com o teu cuidado,
rebento de primor.
Não apareceste,
um dia,
era a mudança de estação.
Uma
e
uma
pétala caía,
pequeno jasmim
alcançava o chão.
Mesmo assim não dormia,
aguardava,
esperançoso,
a tua presença...
Soubesse ele
que acabaria,
por ser essa
a sua
sentença.

domingo, 6 de abril de 2014

Mistifório

Os meus olhos querem fechar,
mas eu não.
Pareço querer perder mais tempo,
tempo em vão.

(Mais) Uma noite escura
passada em clarão.
(Mais) Uma presença fantasma
noutro novo serão.
(Mais) Longos pensamentos
que dão as mãos a arrependimentos.
(Mais) Um deslize escusado
dentro do mesmo relógio.

As horas iguais
que se tornam banais;
a voz rouca matinal,
processo normal.
Uma meia que se perde na cama
e a aventura para a encontrar.
O lençol que se esquiva,
o frio que entra pela frincha.
Os olhos semi-cerrados,
a massa sempre a girar.


sábado, 5 de abril de 2014

Coisa

Escondi, 
bem lá no fundo,
uma coisa que me disseste.
Por mais banal,
ou pouco profunda,
coisa que não me esquece.
E detesto ser obrigada,
como lei incontestável,
a ter que esquecer completamente algo,
(incógnito-)significante e interminável.

Algo que é coisa
e coisa é imensidão.
Mas se nome é desconhecido,
como acabo por esquecer então?
Coisa pequena grande
que amarga a solidão.