terça-feira, 30 de agosto de 2016

Estar só não é solidão

A música era simples e serena, por isso, adormeci no sofá. Só acordei quando a grafonola fez silêncio. O que é curioso, já que o ruído me fez dormir e o silêncio me fez despertar. Espreguicei um pouco as pernas e esfreguei os olhos. A janela pintava a despedida do sol, a noite ia abraçando o dia. Adormecera há quanto tempo? Na verdade não era algo com me importasse realmente... Ninguém me esperava, tinha o tempo só para mim, a casa só para mim. Tinha-me a mim só para mim. Às vezes suspirava. Mas estar só não é solidão.
Começara a chover, o que finalmente fazia com que as minhas janelas ficassem menos sujas (ou, pelo menos, ajudava a remediar). É engraçado, se há alguém que não sabe agir sozinha é, precisamente, a Chuva. Sempre acompanhada pelas nuvens e por uma imensidão de comadres, em constantes corridas a ver quem chega primeiro cá abaixo. Agora que penso, a Lua também se faz acompanhar pelas estrelas, mesmo que estas possam brilhar mais que ela. Já o Sol anda quase sempre sozinho, se bem que pouca diferença lhe faz, já que tudo gira à sua volta. Está bem. Talvez me sinta um pouco só, mas, mais uma vez, separo-me da solidão. Porém, se nos juntássemos resolveríamos esse problema. Solidão, queres vir jantar comigo? Não custa nada colocar mais um prato na mesa.
Olhem para mim a falar com a Solidão, a convidar-me a mim própria para tudo o que ela acarreta. Nem nos conhecemos bem sequer, não nos daríamos muito bem. Eu gosto de andar por aí com cara alegre, não de viver debaixo da sombra. Eu cá me arranjo, Solidão. Estar só não é solidão. Acho que me vou convidar para jantar. Um cinema depois, talvez. Com certeza ainda teremos muitas conversas a pôr em dia, como esta. Ainda veremos muitos pôr-do-sol, muitas crianças a correr na rua. Ainda ouviremos muita chuva a bater na janela e muita música a soltar-se pela grafonola. Olha só, a primeira estrela no céu. Dizem que é Vénus, tão brilhante e tão intensa. A primeira a chegar e a última a sair.