quarta-feira, 25 de março de 2015

Estás a ouvir?

Contaste?
Contaste quantas pétalas tinha a flor,
quantos aromas fazem o mesmo odor,
quantas noites foram cheias de luas cheias?


Tocaste?
Tocaste aquela melodia que tanto matutavas,
aquela cassete que há tanto guardavas,
aquela camisa de cetim?


Sentiste?
Sentiste algo mais do que estar triste,
algo que nem sabias que existe,
algo que poderás nunca com mais alguém sentir?


Estás a ouvir?,

Com quantas notas a chuva canta?
Em quantas horas alguém se encanta?
E como quão barulhento é esquecer...?


segunda-feira, 23 de março de 2015

As pessoas são más

As pessoas são más, simplesmente porque sim. Não há motivo aparente. E, por não haver esse motivo, é que a maldade é ainda mais acentuada. Por mais que queira fugir a esse pensamento (ou, deveria dizer, realidade), mais claro ele se torna a cada dia que passa... sem a existência desse tal motivo aparente. Sempre acreditei na bondade, na genuinidade, na humildade, e, quando chegar o dia em que não poderei acreditar mais nisso, significa que o caos se instalou de vez, que a realidade é de tal forma abrupta que não permite fugir ao cepticismo, à desesperança, à mentira ou, até mesmo, à injustiça. Sei que estarei a ser egoísta (e, se não for também um pouco, não estarei a respeitar-me de forma total), mas, quando chegar esse dia (se chegar. - zelo para que não), espero já não cá estar; pelo menos não fisicamente. Digo isto longe de eremitismos e flagelação, é claro, considerando se não seria pior a dor provocada ao espírito e à consciência, mesmo já não tendo estas corpo onde se abrigar. 
Toda esta fantasmagoria para falar de pessoas más. E esta adjectivação eufemiza tanto a situação... Há quem diga que a maldade se combate com maldade (estilo fight fire with fire), todavia, penso que, mais uma vez, a chave para este tipo de problemas é a originalidade, fazer a diferença. Se uma pessoa que passa por nós na rua ignora tudo o que a rodeia, por que não quebrar essa negritude e pintar um pouco o dia dessa pessoa com um sorriso? Pode até nem haver qualquer receptividade, porém, certamente, não causará indiferença. E o mesmo se passa com quem nos magoa. Nem sempre quem vocifera mais alto do que um grito é quem vence, mas sim aquele que por meios lícitos alcança a verdade e percorre um caminho com firmeza e coerência.

Podem-me ter ferido o coração. Mas nunca os meus princípios.

sábado, 21 de março de 2015

Inquieta tranquilidade

Dei-te a mão
porque senti que com ela
nunca mais estremeceria o chão.
Fui firme nesse amasso
porque senti que não havia lugar mais quente
senão dentro do teu abraço.
Esbocei um sorriso
porque senti num traço de felicidade
todo o meu asilo.
Acreditei
porque senti uma chama de água limpa
e num leve palpitar me levei.

Encontro-me novamente debaixo da terra.
No escuro.
Na solidão.
De mãos atadas com uma verdade asfixiada,
imóvel, sem álibi.
Mas ela é a verdade 
e ela está ali.
Inquieta na sua tranquilidade;
estável, pois vencerá.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Não sei pintar

A quem é que pertenço,
à terra ou ao pensamento?
Por quem é que escrevo,
ao amor ou ao medo?
Para onde caminho,
rectidão ou abismo?

Na escuridão a minha luz,
no barulho o meu silêncio.
Na multidão a solidão,
na impaciência o tempo.

E na fraqueza por um minuto me vejo,
agregada toda uma destreza ao meu ser.
Tenho na paleta as cores do céu
mas não sei pintar,
só escrever.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Turbilhão

Entre as arestas que ergueram esta casa, descobri, em mim, um ímpeto interesse em me descobrir. De perceber quantos pincéis, afinal, e quantas cores fizeram parte da paleta e deste retrato, que se desmancha estilo folha solta de um caderno, à deriva na rua numa noite chuvosa de Inverno. De saber mais do que vou sabendo, continuando sem realmente saber. De, verdadeiramente, ir crescendo sem entender. E foi, também, entre estes rabiscos que fizeram de mim, que percebi que sou, nada mais nada menos, do que uma peça anacrónica. Obra singela destacada com discrição. Sem noção.
Um contrato assinado rasgado é insignificante, é um desgosto descabido à luz do dia, é um recluso despido em plena audiência. São novamente postas na mesa as cartas do baralho: descrença, desconfiança, desprezo, decadência, e tudo é posto em causa. Como se tudo não se tivesse passado de um mero jogo de apostas em que eu era bluff, acabando por perder tudo o que ganhara. E sou obrigada a desmembrar-me da minha humildade e a encarar-me como a culpada, já que não há mais alvo nenhum em que acertar.

E vou todos os dias acordando, com a esperança de que a realidade vire ficção. Ou vice-versa.