sexta-feira, 28 de novembro de 2014

última vez

Foi a última vez. E confesso que nunca uma última vez fora tão boa, de tal maneira, que mais parecia que não ia acabar, que mais uma ocasião surgiria com o propósito de superar. Mas nada do que é bom é real e constante, pelo menos assim tenho aprendido, por isso é que fui muito idiota em supor uma próxima. (Ia agora usar o cliché “o que é bom acaba depressa” mas já toda a gente sabe). Quando algo está para findar, normalmente tudo entra em decadência, percebe-se. Desta vez não. Havia tudo para dar certo, para correr minimamente bem... Mas foi a última vez e nunca uma me havia sabido tão bem. Oh, sabes bem que estou a falar de ti. Deste o ar da tua graça, vendaste-me os olhos e lá aceitei eu jogar à cabra-cega, enquanto planeavas a tua despedida. Que despedida? O teu desaparecimento.
Eu não quis, mas ao não querer gostar acabei gostando mesmo. Até já as nuvens choram por mim, desenhando um autêntico dilúvio. Lembro-me de ti a toda a hora. O meu pensamento banha-se na tua presença, o que me incomoda imenso, visto que o meu coração está cada vez mais gelado. A grade que separa o amor do ódio é realmente ténue e a minha parece já ter-se apagado de vez.
Juro-te que repetia uma vez mais a última vez. Gostava mesmo de ti, com todos os teus defeitos. Agora és das pessoas que mais dispenso e detesto.
Por mais que queira não posso
Esperar. Dói de qualquer maneira querer
Retribuir algo de que são incapazes de te dar, enquanto
Ofereceste aquilo que mais querias guardar.

Não me arrancaste só o coração sem saber. Certas palavras só o silêncio é capaz de dizer.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Mea culpa

Dou por mim a lamentar algo findado que nem sequer tinha começado. Paro o olhar no horizonte e consigo claramente pensar em vazio. Se não é em ti que penso, o meu pensamento é um desenho de quatro paredes sem qualquer saída de uma densa escuridão, que se entrelaça por um calor imaginário, nevoeiro quente nascido de um pecado carnal. Nem mesmo a cruz ao peito me salva... não me resgata da tentação que são as tuas mãos, o teu olhar, a tua boca, tu... E depois da uma plena satisfação que é viver o momento, aquele momento, o presente acelerado pelo tempo... vem o peso abafador do futuro, os remorsos, o medo. Mea culpa. Porque não consigo eu dizer-te não, se não fores tu a dizê-lo. E agradeço por te afastares, pois isso faz-me bem. Faz-me bem não te ter por perto. Faz-me bem não te ter frente-a-frente. Apenas fica em pensamento a sensação e a imagem de te morder os lábios, de sentir a tua chama na minha pele e de ouvir o ofegante palpitar do meu coração. Não te consigo dizer não. E se o disseres a mim, vou tentar seduzir-te de todas as maneiras, e acredito que com sucesso. Mas não posso. És a pior coisa que alguma vez tive, mas não como queria mesmo ter.
Como posso lamentar ter perdido algo que nunca cheguei a ter? Como posso ter esquecido a dor que é perder? Quando não quero pensar em vão, penso em ti e imagino todos os filmes realizados e realizáveis irrealizáveis.  Com um nó na garganta digo, (só) agora, que não te quero ver mais, nem te tocar mais. És um mal que quis dominar, mas, enquanto pecado, só me deixei levar. E não posso ceder à tentação. Mea culpa... como me custa dizer-te não.

domingo, 9 de novembro de 2014

Silentio

O silêncio é o meu melhor amigo.
É ele quem trago sempre comigo.
É com ele que vivo.
É a resposta a qualquer pergunta 
mesmo que não exista.
Os meus lábios são presas fáceis
mas não se movem.

Dou a mão ao silêncio
porque engulo remorsos,
atiçam cada vez mais este fogo
sanguessuga,
parasita.
Nem banhos de chuva fria
acalmam este furor
desperto, inquieto, perturbado...
que se esconde por entre
nevoeiros cinzas penosos,
olhares desgostosos,
que esboçam falsos sorrisos.

Ressacas de água ardente
que apodrecem o melhor de mim;
uma maresia leve
que se agita solenemente.
Todo o diabo já foi anjo
e toda a guerra já foi paz.
O que mais queremos que não seja,
não deixa de ser fugaz
e o silêncio torna-me mais capaz.
Mas só me engano a mim
quando continuo dizendo sim;
é tão difícil delimitar a distância.

Queria provar, pelo menos um pouco,
que valeu a pena
dar-me de mim;
provar que te podia fazer feliz assim.
Sentir a tua saudade,
a tua decadência
e a tua demência
ao me perderes;
sentires um tanto do que sinto,
servido em prato frio
de silenciosa vingança.

Poeta sofre,
mesmo quando um possa
até nem realmente ser,
mas toda a gente sofre
quando por amor tenta viver.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

apoplexia

se dissesse que te amo
como reagias?
deixavas-me?
não me dizias mais nada?
afastavas-te?
então pouca diferença faz
porque já o fazes.
mas mesmo assim tenho medo.
se pensares que não há qualquer laço
ou sentimento,
qualquer apego 
ou saudade,
vais continuar a querer-me e a olhar-me.
só demonstra o quão fraca sou.
querer ver-te sorrir
pelo prazer que te trago.
gostava de trazer-te mais ainda,
não apenas momentâneo, constante.
eu sei lá se é amor.
o amor é uma doença
indecifrável e indetectável pelos médicos.
há sintomas
mas nem eu própria sou capaz de interpretar.
custa-me admitir que me apeguei a ti,
que gostava de te ver realmente feliz
e de ser esse teu motivo novo de felicidade.
se não o for, não faz mal.
já estou anestesiada. 
digo tão mal do amor 
e falo tanto nele
que talvez seja por isso 
que o meu coração se desgasta. 

domingo, 2 de novembro de 2014

dois do onze

Dia dois de Novembro de 2014. O cÉU vestido de cinza denuncia as suas deteriorações emocionais; revela ao dia a sua frieza e indisposição e chora por entre intervalos de tempo. Apela à ajuda da chuva que bate às janelas por meio de gotas discretas ou enfurecidas. Afasta as nuvens que abrem frinchas de luz, iluminando e chamando a atenção no caminho das pessoas. O céu está doente. Vítima de oscilações de temperatura, demonstra a sua vulnerabilidade em ficar enfermo, com sintomas de febre alta que baixa a pique, resfriado, contínua pirexia. O céu já se vestiu de gala para a noite e para o dia, mas não se sentiu confortado... Adornou-se em tons de azul escuro e diamantes luminosos; dourados quentes e sedutores; brancos suaves e cautelosos; vermelhos vivos e animadores. Já partilhou com todos, alegrias contagiantes e tristezas devastadoras; já demonstrou a sua simpatia e a sua fúria duradouras.
Hoje o céu voltou a ficar triste, de cores neutras e melancólicas. Por meio de uma avidez incontrolável, vive a saudade de algo intocável. Querer algo que sabe que não irá ter; querer viver sem realmente saber como o fazer. O céu é bom, mas nem sempre alguém o nota... com corpo mas sem alma, preso a uma fantasia remota.