sábado, 21 de novembro de 2015

Aleatoriedade

Eu gosto muito de árvores, mas também gosto de florzinhas. Portanto, se forem árvores com florzinhas, acho que tenho atingido o auge de felicidade do meu dia. 
No outro dia, derivado de um aleatório momento de lazer (que, diga-se de passagem, claramente não são muitos... longe de mim dar-me a hereges andanças dessa envergadura), sentei-me à sombra da ameixeira (porque essa coisa das bananas é demasiado tropical para aqui) e contemplei um pequeno rebento de um pequeno ranco de uma pequena árvore (e eu que sou tão grande). Não é que o safado teve a ousadia de se fecundar a esta altura do ano? O frio já anda por aí a dar aso aos seus encantos e um rebento lembra-se de se fazer surgir. Olha-me esta. Por isso é que este mundo está como está: andam uns a fazer as coisas às pressas para não apanhar resfriados e, outros, armados em valentes, decidem dar o ar de sua graça. Eu não sei, mas cheira-me que vai sofrer não só de pneumonia mas também de enredos de solidão. Contudo, alicia-nos à sua observação. É o único ali, sem medos nem remorsos. Olha, gostava de ser assim. Mesmo sozinha sentir-me a pessoa mais bem acompanhada do mundo, sem sofrer frios, incertezas ou crises de meia idade. 


Sta Mª da Feira


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Outono

De todas as manhãs que percorri, hoje foi a que mais me custou. A chuva teimava em cair inóspita, o vento insolitamente gritava e os meus passos eram um completo ziguezague, no meio de toda esta euforia. O guarda-chuva dançava na minha mão e as minhas botas, por mais que tentassem escapar, iam sempre ao encontro das largas poças. A aurora, com a sua roupagem de agitação habitual, parecia um mero eco das minhas passadas, um deserto. 
No meu pensamento desenhavam-se todos estes pormenores e uma vontade imensa de poder parar o tempo e consultar cada rosto, cada gesto, cada pessoa que por mim passava e que eu praticamente não notava. Porém, aquando da pausa das minhas pegadas, notei, com mais atenção, algo - e, com mais atenção, pretendo dizer que já as havia notado, contudo, só vendo e não observando -, as folhas. Um carreiro desconcertado de folhas encontrava-se no meu caminho, qual tapete de texturas, cores e sonidos. Provavelmente já por muitos passara nessa mesma manhã ou até noutras, mas, hoje as folhas eram diferentes, quer dizer, para mim, para o meu olhar, porque, hoje, as folhas levavam-me a olhar também para as árvores. E elas pareciam tão tristes. Tristes, humildes, engrunhidas. O Outono despia-lhes as folhas a pouco e pouco, e o vento suscitava-lhes calafrios constantes. As folhas lá balançavam delas em direcção ao chão, mostrando-se felizes, mas já saudosas, por se desembaraçarem delas... Tanto demoraram a nascer, tantas temperaturas passaram juntas e, agora, o frio vem estilhaçar todo este apego e este amor. A árvore sabe o que aí vem, um Inverno que nada mais lhe traz senão camadas de neve branca, chuva que se cristaliza ou raios de sol tímidos, e as folhas, fora aquelas que nunca mais saíram do chão, foram viajar por esse mundo fora, à boleia do vento.
Tanto as observei que perdi a noção do tempo. As árvores estremecem e as folhas caem ao de leve no caminho ou flutuam no ar... Se calhar as folhas são lágrimas das árvores.


Mafra