A janela convida-me à rua, mesmo estando a vidraça fria a embaciar-me a visão. Hesito mas arrisco. As nuvens estremecem e dão os seus sinais de fragilidade, o que fazia crer que, a qualquer momento, água voltaria a brotar delas. De guarda-chuva irrequieto e frágil, mantive o meu olhar firme ao chão, de modo a evitar afogar um pé nalguma poça. Entre desvios correntes promovidos pelos uivos do ar, acabo por encontrar no meu guarda-chuva um guarda desleal. E, preocupada em não encharcar os pés nas poças, acabo por me mergulhar, distraidamente, no primeiro reflexo. Vejo no reflexo, que essa poça de água aclama, bem mais do que um rosto, que, quando pestanejo, volta a ser somente o seu retrato. Um rosto conhecido mas estranho. Que me faz não saber o que é ele de mim, nem saber se será realmente o espelho de todo este frenesim, que lá vai fervilhando sob a minha pele. Aparentemente inócuo e mudo.
Volto a andar. E, durante esse vaguear, a precipitação retorna ao seu encanto. O meu rosto rodopia e desfoca-se (talvez assim se enquadre mais a todo este cenário que me envolve). Os tons cinza, o vento musicante, o eco das passadas, a chuva dominante. O meu rosto molha-se, mas a tinta não sai nem se desbota. E a chuva, na sua rebeldia mutante, corrói e ofusca ainda mais. O que vale é que nem sempre a aparência transparece demência e nem sempre a demência gera palavras. Só um silêncio suspenso e oco; a distância, a inimizade, a impaciência.
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