Nem sei como te
cumprimentar... pois um “bom dia” nunca é bom quando é amargo,
e nunca é dia quando não vem com a noite; não sei como te
cumprimentar... pois uma “boa noite” nunca é boa quando passada
solitariamente, e nunca é noite quando não se viveu o dia.
Decidi escrever-te,
finalmente. Não escrever-te no sentido em que escrevo para ti (até
porque não desejo respostas envoltas de silêncio, nem rejeições
por meio de eufemismos e desconhecimentos de causa), decidi
escrever-te porque decidi escrever sobre ti. Nada nem muito
espontâneo, nem muito pensado. Decisão apenas. Deixei o olhar fixo da visão paisagística da minha janela para o concentrar neste papel,
nesta caneta velha e útil para quando pretendo desabar sobre mim
própria, como que para a minha consciência, na ignorância dela;
para a sua ignorância de psicologia e de consolos, paredes de
confissão sem escuta paralela. Só eu e ela. E esta caneta e este
papel. E tu. Tu como memória quebrada e fraccionada em momentos, em
suspiros, em cobiças, em ódios, em murmúrios, em... meu redor. Mas... 'shhh'. Não gesticulo os lábios em modo de conversação. Quando o
tema és tu, apenas pretendo gesticular os meus lábios em simultâneo
com os teus. Saborear da tua carne que desassossega o meu
desassossego num pranto de água movediça. Oh, os teus lábios como
os quero. É tão grande a minha cupidez de ti. Tu... que nem sei se
existes mesmo ou se é apenas o meu subconsciente que te idealiza.
Oh, como é real o sentir-te em mim. Leve e gentil como a seda. Firme
e resoluto como a rocha.
As palavras fogem de mim.
Transpiro ansiedade. Continuo a escrever(-te) sem destinatário. E
lembro-me dos teus olhos, do teu olhar profundo e lacónico, como que
de um lince que avista a sua presa. Ouço a chuva. Mal sabe ela as
vezes que os meus olhos abundaram, dignos de um duelo com as suas mais
tenebrosas tempestades. E lembro-me de ti, uma vez mais. Enquanto
encosto o meu rosto e a minha boca ao vidro gelado e o embacio de
suspiros ingratos. Ingratos por saberem que vivem simplesmente por
dependência humana e não por necessidade. São dignos de tão
injustificável infelicidade? … Injustificável? Quando são por ti
os suspiros meus, quando são de ti as minhas lágrimas réus, quando
é por ti esta saudade inflamável. E o que é a saudade mais do que
uma corda ao pescoço de um inocente condenado à perpetuação da
sua própria solidão? Pára. Larga-me! Desaparece desta minha
epifania interior. Não quero sentir mais esta nostomania por
saber que existes, quando nem a certeza tenho da tua existência. Mas
sinto a tua presença. Oh, que doença. Que doença incurável e
intratável de te ver cegamente. De te ouvir surdamente. Mas de
sentir a tua presença. Os teus lábios que me tocam e me viciam de
ti. Essa sufocação constante que mais tende em me fazer explodir.
Decidi escrever-te de mim
para ninguém, mas para ti. És a brisa mais poluída que já senti,
mas que melhor jamais respir(ar)ei. Apenas te inspiro por ser acto
involuntário, porém, se não fosse, não teria qualquer outro efeito
contrário. És aquilo que mais quero quanto menos quero.
De alguém,
para: (além de ti) ninguém.
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